Faz tempo que não trago a vocês um filme, né? Dessa vez, eis algo obrigatório a vocês, que querem escrever histórias: a versão restaurada, com cenas perdidas até 2008, de Metrópolis (link para download no final do texto).
Metrópolis (, 1927) é um filme fascinante. Considerado por muitos o ápice do expressionismo alemão, ao lado de O Gabinete do Doutor Caligari, é uma produção que ultrapassou barreiras do gênero, sendo também um marco da ficção científica e se tornando influência até os dias de hoje. É impossível passear pela grande cidade de Metrópolis e seus prédios, máquinas e transportes voadores e não se lembrar de obras como Blade Runner e Matrix. Metrópolis também serviu de inspiração para a obra homônima de Osamu Tezuka, embora (segundo o próprio) nunca tenha assistido o filme.
A trilha sonora, a fotografia, a atuação dos autores, a iluminação, tudo é feito segundo o expressionismo alemão, o que significa que tudo é voltado para retratar o estado de espírito dos personagens. Nada é erro ou exagero, tudo é intencional para este fim.
O cenário é de encher os olhos até mesmo do mais acostumado a grandes efeitos especiais e computação gráfica. Prédios soberbos, máquinas imponentes e cerca de 30.000 atores figurantes compõe um cenário aterrador, onde os trabalhadores são explorados para manter a magnífica cidade funcionando para o deleite da elite.
Preciso dizer também que, como toda bem-sucedida obra de ficção científica, Metrópolis continua extremamente atual.
Mas e a história, heim?
(pode conter spoilers)
A história é sobre Metrópolis, uma grande cidade (tipo, MUITO grande), no ano de 2026, autocrática, governada por uma espécie de empresário, o poderoso Joh Fredersen. No entanto, para que Metrópolis funcione perfeitamente, foi construída uma outra cidade no seu subsolo, a cidade dos trabalhadores, onde milhares de homens vivem e trabalham em condições sub-humanas. O papel desses trabalhadores é manter as máquinas funcionando. E essas máquinas mantém a cidade, que por sua vez, mantém seus cidadãos.
Joh Fredersen possui um filho, herdeiro de Metrópolis, que, ao se deparar com a situação em que se encontram os trabalhadores (que passou a chamar de irmãos), decide ajudá-los. Mas seu pai, não muito contente com os planos dos operários, temia uma rebelião e colocou um espião para vigiá-los.
Então surge Maria, uma mulher considerada santa pelos operários. Ela os reunia em túneis secretos da cidade dos trabalhadores para pregar sua crença.
“O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração”.
Maria acalmava os homens mais revoltados com a crença do surgimento de um mediador que iria trazer a solução para os seus problemas. Ao saber disso, Joh Fredersen ordena a um cientista, que contruía um robô chamado “Hel”, que colocasse nele o rosto de Maria, e destruísse a união dos operários com discórdia e confusão causadas pela falsa “Maria”. Jon planejava que, dessa forma, os operarios se rebelassem, e assim ele tivesse motivos para responder com violência, acusando-os de insubordinação. Nada atual, não?
A partir daí, Hel se torna um simbolo da sensualidade, entretando e manipulando homens de Metrópolis, fazendo-os se matar por causa de sua sedução (é, nada atual também). E parte para sua missão de destruir a rebelião dos operários.
A melhor parte – simbolismos
Como não se poderia deixar de esperar de um filme expressionista, Metrópolis é recheado de ricos simbolismos. Só para citar alguns:
– As cenas que mostram os trabalhadores nas máquinas são primorosas. A trilha sonora, as engrenagens das máquinas e os movimentos dos que as operam são totalmente sincronizados e mostram a máquina como uma extensão do homem, ou vice-versa. Uma metáfora da tecnologia dominando o ser-humano e a primeira menção à singularidade, onde não existe mais distinção entre homem e máquina. Um conceito bem cyberpunk no início do século XX.
– Quando o filho de Jon descobre a verdade sobre a situação dos trabalhadores na cidade das máquinas, ele tem uma espécie de delírio, onde uma grande máquina tomava a forma de Moloch, um monstro que engolia os operários, que eram levados por guardas e queimados vivos. Interessante mencionar que Moloch (ou Moloque) é um deus cananeu ao qual se sacrificava crianças, jogando-as no fogo. Uma interessante visão sobre a tecnologia, o capitalismo e o Estado.
– Maria, quando aparece pela segunda vez no filme, é mostrada como uma santa. Seu nome é bem simbólico, e ela é retratada com toda a pureza e luz que se espera da Virgem Mãe. No entanto, ela exerce um papel muito mais interessante, o de profeta. Ao falar ao povo, trazendo uma espécie de mensagem de esperança inspirada por algo semelhante a uma revelação divida, Maria é tida como sábia, autoridade, e ninguém discute com ela. Ela sabe do que está falando e faz previsões sobre o que irá acontecer: um mediador virá e dará fim à opressão.
– Por sua vez, “Hel”, sua contraparte, o andróide, é a segunda menção à singularidade mostrada como demoníaca. Além do nome remeter a significados óbvios, ela é mostrada sentada em frente a um pentagrama invertido. O cientista, ao dar-lhe a aparencia de Maria, é mostrado mais como um alquimista do que homem da tecnologia moderna. E quando Hel assume seu papel no mundo, é apontada a Grande Meretriz do Apocalipse.
– Outro simbolismo, que pode nos parecer clichê nos dias de hoje, mas formidavelmente aplicado, é Babel, a grande torre de Metrópolis. Dessa forma, a cidade é mostrada como uma Babilônia, que, no livro do Apocalipse, surge com a Grande Meretriz/Hel para beber o sangue dos homens.
– E, por fim, o principal símbolo e metáfora do filme, o epigrama “O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração”, talvez fale sobre a sociedade, mas também faz com que Metrópolis ganhe inúmeras interpretações. Além de ser um filme sobre uma cidade, suas máquinas e domínio exercido pelos poderosos, pode também ser visto como uma metáfora a respeito do homem como indivíduo. Não basta usar apenas a razão para conquistar seus objetivos com as mãos, tudo irá desmoronar se não houver o intermediário, o coração, símbolo da boa consciencia, discernidor do bem e do mal.
Não falarei mais dos simbolismos que encontrei para não extender muito. Se você quiser, comente aqui quais encontrou e o que achou que ainda é atual em nossos dias.
Clique para download do filme Metrópolis de Fritz Lang e aprecie.
Artistas fazem, hum… homenagem… ao Metrópolis.
E umas imagens:
Conhece outras homenagens artísticas? Mande pelos comentários que eu posto aqui.
Confiram também esse excelente video fan-made (feito por fã) de Poker Face, da Lady Gaga, com cenas do filme (contém spoilers, assita ao filme antes para entender melhor o vídeo):
cotrim
Dez 26, 2010 @ 03:18:01
todo esse simbolismo me fez lembrar de a revolução dos bichos e 1984,duas pelolas escritos por George Orwell
Abismo Infinito
Dez 26, 2010 @ 18:37:43
São obras fantásticas, mas muito mais objetivas que Metrópolis. Orwell usou metáforas ao invés de simbolismos, por isso é até mais facil compreende-lo.
Jet Fidelis
Dez 26, 2010 @ 15:58:52
Muito boa a resenha. Me lembro de ter visto Metropolis pela ultima vez numa mostra do CCBB, que rolou outros filmes muito bons e pouco vistos.
Só faltou falar do anime/mangá Metropolis, que na minha opinião merece post próprio.
Abismo Infinito
Dez 26, 2010 @ 18:38:17
Verdade, Jet. Talvez eu faça algum dia.
Renver
Fev 28, 2011 @ 13:32:09
baixei o filme mas baixou como arquivo desconhecido….
Abismo Infinito
Fev 28, 2011 @ 20:50:47
Talvez você nao tenha suporte para videos em rmvb. Se for o caso, instala o programa KMPlayer.
Se nao for isso, tenta renomear a extensão do arquivo pra rmvb.
Renver
Fev 28, 2011 @ 21:34:29
valeu
Renver
Fev 28, 2011 @ 21:35:06
funcionou
Caio Lucas
Mar 08, 2011 @ 15:23:31
Moloch também era o deus do ouro se eu não estou enganado. Baixando! Vi Caligarí e aguardo Metrópolis!
Abismo Infinito
Mar 08, 2011 @ 17:51:05
Acho que você ta confundindo com Mamom, não?
Caio Lucas
Mar 11, 2011 @ 21:54:51
Hum! Acho que me enganei sim!
Elizeu
Set 18, 2011 @ 00:47:26
Lang foi um visionário em 29, ele pode ver o que a humanidae está passando atualmente, não estamos no subsolo, mas em contra partida estamos socialmente atrelados a um futuro de mais injustiças socio-economicas.
Pelo menos ao final do filme as pessoas acordam, mas, atualmente não é o que acontece.
Abismo Infinito
Set 21, 2011 @ 01:58:55
Eu não vejo que ele previu o que a humanidade passaria no futuro. Como em QUALQUER ficção científica, acho que ele fez uma projeção futurista da sociedade em que ele vivia, ou seja, o mundo já era desse jeito. Ele só exagerou e tentou usar o futuro em forma de parábola.
Ou seja, o mundo é a mesma merda que hoje vemos desde aquela época, ou mesmo antes. Triste, né?
Elizeu
Set 18, 2011 @ 00:55:36
Desculpem errei a data 1927
Marco Antonio Pontes dos Santos
Jan 11, 2012 @ 13:07:38
Adoro o filme Metropolis
Bielzin
Mar 14, 2012 @ 09:29:27
Não tem nenhum outro link disponivel? ._.
Abismo Infinito
Mar 17, 2012 @ 02:16:57
É, eu sei. Não tá fácil upar arquivos grandes. O jeito é apelar pra torrent.
1pirado
Ago 04, 2012 @ 19:58:41
“O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração”. Curiosamente, a bíblia alerta exatamente sobre isso: em Mateus, capítulo 15, versículos 18 e 19:
“No entanto, as coisas procedentes da boca saem do coração, e estas coisas aviltam o homem. Por exemplo, do coração vêm raciocínios iníquos, assassínios, adultérios, fornicações, ladroagens, falsos testemunhos, blasfêmias.”
Carlos Diaz
Nov 27, 2012 @ 19:44:14
OUTRA REFERÊNCIA: A capa do álbum “The Archandroid” de Janélle Monae.
rosilene aparecida ferreira
Abr 08, 2013 @ 13:55:59
e uma historia fantasiosa tem seus fundamentos em crença que de certa forma ate nos dias de hoje ouvimos falar algo semelhante.
Zeca
Jun 14, 2015 @ 16:37:41
Express Yourself da Madonna é totalmente baseado em Metropolis e Cabaret, vale a pena.